Momento Terapia: a escravidão das redes sociais
Sob influência cada vez maior das redes sociais nas nossas vidas, cabe à reflexão sobre a linha bastante tênue entre o saudável e patológico nesse jogo de exposição, entretenimento, socialização e demonstração de opinião.Há um tempo atrás, poderíamos classificar o Facebook, Instagram ou qualquer outra rede, como o mundo perfeito, o lugar das pessoas sempre bonitas e arrumadas, engajadas política e socialmente, brindando suas conquistas incríveis ao lado de amigos e companheiros (as) igualmente incríveis, em algum lugar deslumbrante e maravilhoso da cidade ou planeta. Dava até uma vontadezinha de morar nesse mundo, até que começaram a pipocar as frases do Caio Abreu, as falsas citações do Veríssimo, os textões de desabafo e as brigas entre mortadelas e coxinhas…
Mas enfim, basta colocar levemente uma lente de aumento sobre esse mundo dos sonhos, para identificarmos que ele apresenta alguns cenários e armadilhas bem perigosas, idem ao do nosso bom e velho mundo real. Embora, distinguir o real do virtual, nos levaria a uma discussão bem mais profunda, psicologicamente falando. Por ora, basta o entendimento de que nosso comportamento, as nossas emoções e a nossa vida como um todo, são bastante impactados por essa interação do real com o virtual.
Umas das primeiras referências a esse tipo de interação, que me ocorre no momento, é o filme The Truman Show, classificado como comédia, a obra de 1998 já nos dava indícios bastante interessantes da dinâmica que vivemos nos dias de hoje. O desejo pela vida perfeita, a curiosidade da vida alheia e um certo voyeurismo.
Hoje, todos nós, de alguma forma, experienciamos o nosso próprio “Truman Show” independente da infinidade de reality que a TV ou internet nos ofereça. E como motiva, impulsiona e nos “alimenta” se o feedback da nossa audiência for positivo! Esse texto é um pequeno exemplo disso, vou amar cada like, comentário, compartilhamento ou precisarei rever alguns pontos se as críticas forem pesadas e negativas demais. É inegável que tudo isso é bastante divertido e desafiador. Mas, nos demanda maturidade transitar por esse universo sem que a nossa vida se torne um show de horrores ou nos tornemos paranóicos com um ideal de perfeição.
A superexposição nas redes evoca e provoca, questionamentos e reflexões bastante interessantes e não esgotaremos o assunto em um único artigo. Então, as provocações e apontamentos do texto, servirão como pinceladas, desse cenário tão rico e abrangente que, por mais explorado que seja, jamais será esgotado.
Vamos às pinceladas…
Por exemplo, o compartilhamento de uma dezena de selfies diários maravilhosamente trabalhados no Perfect365 (aplicativo da Arcsoft que faz retoques em fotografias tiradas no celular), pode mascarar uma baixa autoestima e insegurança, de quem busca afirmação através dos likes e comentários das fotos, em contrapartida, pode provocar, naquele que curtiu ou comentou, a frustração ou o desejo de ser ou fazer igual. Conclusão, várias pessoas frustradas e inseguras com a aparência ou algum aspecto da vida, buscando o seu lugar privilegiado no trem expresso chamado Felicidade.
Obviamente, não estou afirmando que compartilhar fotos e momentos são sinônimos de frustrações e inseguranças. Mas, o que chama a atenção e oferece perigo, são os excessos, como tudo nessa vida!
Algo do tipo, quanto melhor for a minha “reputação” mais eu me aproximarei desse modelo de perfeição e mais feliz e realizada eu posso me tornar. Que armadilha perigosa! Pois, você pode, por exemplo, pular do manequim 52 para o 38, definir o abdômen idem ao da musa fitness do momento e ainda sim perceber que a sua felicidade está muito distante, que a sua vida não está tão maravilhosa assim.
Pode ficar presa na necessidade de construir uma sólida reputação virtual e não conseguir dar conta de fazer o básico na sua vida cotidiana.
Como comecei falando de selfies, vale salientar que a definição do conceito é muito mais abrangente e profunda do ponto de vista filosófico e psicológico do que “autorretrato” que adoramos postar. De uma maneira bem simples e resumida podemos dizer que, do ponto de vista filosófico, o conceito de self está relacionado a noção de identidade. Sob a perspectiva psicológica, o conceito vai além da identidade, significa o nosso eu profundo, no sentido de que todos nós possuímos uma essência, um modo de ser que se apresenta como uma possibilidade, latente, ou seja, oculto encoberto, desde o nosso nascimento. É um conceito de definição bastante complexa, até para nós psicólogos, então não se preocupe em querer compreende-lo plenamente.
Basta, uma reflexão bastante oportuna se a superexposição, a necessidade de compartilhar tudo a todo instante – que leva a perda da distinção do que é público ou privado, eu e o outro – afetaria a nossa dinâmica psicológica, no que se refere, a preservar o nosso self (psicologicamente falando) integrado e saudável.
Com alguns anos de bagagem e estudo sobre o comportamento humano, arrisco a dizer que sim. Toda a influência sofrida através do meio externo, impactará a nossa subjetividade.
É comum ouvir, de pessoas que chegam ao meu consultório para atendimento, a queixa por não terem uma vida tão maravilhosa quanto a da colega da rede, ou sentimento de vulnerabilidade nos aplicativos de paquera, por não possuírem uma vida tão interessante quanto a dos pretendentes. Nesses casos, o trabalho é sempre o da compreensão do momento de vida da pessoa, o que a necessidade de comparação significa, que crenças e medos inconscientes são evocados e como ajuda-la na ressignificação de muitos aspectos e experiências pessoais.
A comparação sempre denunciará uma falta, aprender a lidar e a discriminar o que está em jogo nesse cenário em que o Outro passa a ser um referencial para a construção da minha reputação e identidade é um desafio e tanto.
A sensação de vulnerabilidade pode ser elevada a décima potência quando esse Outro que serve como referência é um formador de opinião, um influenciador de grande alcance. Não estou falando apenas dos Youtuber. Revistas, jornais, filmes e TV sempre despertaram grande fascínio em todos nós desde os tempos remotos.
O movimento dos seguidores que vimos atualmente, não é muito diferente do movimento dos fãs clubes que víamos em décadas passadas. Mudaram as ferramentas e dispositivos, mas a essência segue a mesma. A diferença, como falei inicialmente, é que hoje cada um pode ter o seu próprio “Truman Show” através de um Canal, uma conta de Snapchat, um perfil no Instagram. O que nos leva para todos os lugares do mundo e que potencializa para o bem e para o mal sensação de pertencimento, senso de igualdade, necessidade de aprovação, frustrações, sentimento de inadequação social etc. Dependendo da aceitação do nosso “espetáculo”.
Uma boa referência de leitura, que nos ajuda a compreender um pouco dessa dinâmica é o livro “A sociedade do espetáculo”, do Guy Debord.
É incrível as tantas formas atuais de propagar conhecimento e influenciar pessoas, é maravilhoso que cada um possa criar o seu próprio espetáculo, mas é perigoso quando o conhecimento propagado e a influência são sobre algo patológico, por exemplo.
Repercutiu bastante essa semana a petição para encerramento de um Canal de You Tube da jovem Eugenia Cooney por induzir meninas a Anorexia. Esse episódio evoca uma discussão bastante oportuna e que eu particularmente adoro, porque trabalho muito frequentemente a problemática alimentar nos meus atendimentos como psicoterapeuta.
No episódio em questão, claramente a jovem sofre do Transtorno Alimentar e precisa de tratamento adequado. Mas, e no nosso cotidiano: quantos editorias de moda e serviços, com modelos igualmente esquálidas, consumimos sem nos dar conta? Quantas de nós já se “acostumou” com a ideia de que magreza está associada ao luxo, glamour e felicidade? De onde surgiu a crença de que o manequim 36 ou 38 é máximo aceitável independentemente do biótipo e estrutura do corpo feminino? Qual é a nossa responsabilidade para a manutenção e reprodução desse círculo vicioso do mal e do qual todas nos tornamos reféns?
Este é um recorte de uma situação específica, mas que ilustra muitos comportamentos patológicos que estão cada vez mais sendo incorporados como um padrão social aceitável ou padrão a ser seguido (uso e abuso de álcool e drogas, erotização precoce, banalização da sexualidade, obsessão pelo corpo sarado dentre outros).
Raramente compartilhamos a foto do nosso macarrão com salsinha ou do potão de sorvete de flocos devorado na madrugada, mas como ficamos felizes ao postar nosso prato de salada com franguinho grelhado, se for do restaurante de um chef badalado melhor ainda, se forem alimentos orgânicos então, uau será sucesso de audiência! Assim, o demônio são os outros.
É preciso cuidado, pois nos tornamos agentes muito poderosos nesse mundo real e virtual. O jogo do mostrar cada vez mais, carrega o exibicionismo, mas não apenas ele, pode nos prender numa dinâmica a qual o TER se sobrepõe ou define o SER. E isso é muito sério sobre vários aspectos, principalmente ao existencial, pois pode nivelar nossas experiências, vivências, emoções, relações a COISAS.
E nesse processo, corremos o risco de nos tornar apenas donos de coisas, e desfrutar de uma vida vazia de sentido ou propósitos.
Preste atenção aos seus movimentos, esteja mais consciente na hora de se expor, seja através das fotos, textos, vídeos. Questione-se, o que esse comportamento diz de mim? O que ele sugere?
Use e desfrute desse arsenal tecnológico maravilhoso que tem a sua disposição, mas entenda que ele está a seu serviço e não você a serviço dele.
Saber quem manda, é a primeira regra para não se perder nessa imensidão e manter-se sã. As demais regras, construa utilizando do seu querido self (psicológico) como mediador, ele pode te mostrar grandes propósitos e facilitar muitos caminhos para que você construa a real e plena felicidade. De repente, todos os likes que precisa, podem estar dentro de você.
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