Este post fala sobre um assunto muito comentado ultimamente, será que os componentes químicos utilizados nos cosméticos são realmente perigosos? Será que realmente os cosméticos 100% naturais são a resposta para diminuição de alergias e dermatites? Ou estamos vendo o crescimento da Quimicofobia?
A quimiofobia (ou quimiofia ou quimonoia) uma aversão ou preconceito contra substâncias sintéticas ou químicas. O fenômeno foi atribuído tanto a uma preocupação quanto aos efeitos adversos potenciais de produtos químicos sintéticos e a um medo irracional dessas substâncias devido a equívocos quanto ao potencial de danos.
Este artigo foi publicado originalmente no blog português A pele que Habito, da farmacêutica Marta Ferreira, que nos autorizou a reprodução, pois é um tema importante para reflexão e discussão.
Observação: O texto está traduzido para língua portuguesa com expressão brasileira.
Não pretendo apresentar a vocês uma teoria da conspiração, mas sim alguns exemplos de que esta ideia de que os “químicos” são nocivos para a saúde não é completamente inocente.
Reforço ainda que esta publicação não tem por objetivo denegrir as marcas de produtos naturais, já que muitas empresas acreditam verdadeiramente neste conceito, com toda a legitimidade, e que nem todas embarcam em marketing desonesto. Ao contrário deste mesmo marketing, peço que tomem cada um dos exemplos que cito como sendo isso mesmo, um exemplo, e não uma generalização.
Existe cosméticos sem química?
Aqui existe um erro de definição, pois não existem cosméticos sem químicos, já que toda a matéria-prima (inclusive as naturais) possuí agentes químicos.
E a quem já tem esta noção, mas ainda assim acredita que a presença de compostos de origem sintética pode de alguma forma ser prejudicial para a saúde, deixo também uma mensagem de tranquilização.
A origem de um ingrediente; seja ela sintética ou natural, não está minimamente relacionada com a sua segurança ou eficácia.
Quais são as origens do medo dos químicos?
Marcas emergentes
Em cosmética, este tipo de desinformação acaba beneficiando marcas pequenas que vêem no medo dos consumidores e na simpatia por o que designam de “natural” uma oportunidade para afirmar o benefício dos seus produtos face aos produtos das grandes marcas.
Caso contrário, não é fácil convencer os consumidores a pagar umas tantas vezes mais por um sérum ou hidratante quando a concorrência dispõe de produtos semelhantes, mais baratos, e muitas vezes com eficácia superior.
Um dos exemplo mais flagrantes, e que não vem diretamente de uma marca, mas do Environmental Working Group (EWG). Trata-se de uma associação sem fins lucrativos, que recebe doações de empresas que comercializam “orgânicos” e certifica alguns produtos como sendo “aprovados” pela EWG. Acontece que a EWG emite frequentemente opiniões pouco rigorosas e ainda menos fundamentadas acerca do potencial tóxico de produtos cosméticos e ingredientes isolados; mas também relativamente a alimentos, pesticidas, água, etc. Esta organização é uma das principais responsáveis pelo medo que é incutido nos consumidores, e que acaba lançando “tendências” autênticas daquilo que “não devemos consumir”.
Este ponto é crucial para a instalação de todas estas polêmicas, já que tanto os jornalistas como os consumidores têm uma grande dificuldade em interpretar os resultados de estudos clínicos e análises de segurança.
Há várias interpretações que são feitas de forma errada, e para as quais deixo alguns exemplos: Os resultados de estudos realizados em ratinhos não podem ser extrapolados para o ser humano, até porque normalmente são utilizadas quantidades ou vias entrada no organismo que não podem ser comparadas com aquele que é o uso normal dos produtos cosméticos. Por outro lado, não é possível estabelecer relações de causa-efeito entre a presença de determinada substância no nosso organismo e a causa de uma doença, como foi feito com os parabenos
O “clickbait” (também conhecido como caça-clique) é um problema grave, e que só gera desinformação. E essa prática é especialmente usada em relação aos produtos cosméticos, quer por meios de comunicação que são patrocinados por empresas contendo produtos “naturais”, quer pela má interpretação de artigos científicos relativos à segurança dos ingredientes e produtos cosméticos.
Crise de Confiança generalizada
Existe muita desconfiança relativamente às grandes empresas, quer na indústria cosmética, farmacêutica, têxtil ou alimentar. Mas se por um lado todas estas indústrias têm como principal objetivo o lucro, também é verdade que todas elas são reguladas e têm a obrigação de cumprir a legislação dos países onde os seus produtos são comercializados.
Numa outra perspectiva, é também tentador culpar estas indústrias por problemas de saúde que acontecem na nossa vida e para os quais não encontramos uma causa. A dificuldade na interpretação correta dos estudos científicos e da avaliação do que realmente apresenta um risco para a nossa saúde é também muito relevante quando se culpa a substância X ou Y pelo aparecimento de um câncer, doença degenerativa, etc.
Assim, quando se junta a desconfiança na indústria cosmética aos medos de cada pessoa, e que são totalmente legítimos, surgem muitas vezes boatos que se disseminam pelas redes sociais e provocam crenças infundadas na nossa sociedade.
Curiosamente, e embora a “quimicofobia” tenha começado por beneficiar as pequenas empresas, atualmente são as grandes multinacionais quem mais tiram proveito com este fenômeno. E assim tem sido há muitos anos, mas especialmente desde que as redes sociais começaram a influenciar tão brutalmente as opiniões dos consumidores.
Hoje em dia, quando vamos ao supermercado, é difícil encontrar um produto que não tenha o extrato da planta X ou Y, preferencialmente exótica; e que tem inúmeras ações biológicas (nenhuma delas minimamente documentada em publicações científicas independentes). Normalmente esses mesmos extratos encontram-se nos últimos lugares da lista de ingredientes, o que significa que a sua concentração naquele produto é muitíssimo pequena.
Mais recentemente, encontramos também linhas inteiras com porcentagens de ingredientes “naturais” na ordem dos 90% (sendo que provavelmente mais de 50% do produto é constituído por água… Mas justiça seja feita, há certificações que “descontam” a água no cálculo da percentagem de ingredientes naturais). Ora, o que estas marcas não dizem, é que consideram como sendo “natural” toda e qualquer molécula que pode ser encontrada na natureza.
No entanto, todos os ingredientes utilizados na produção desses cosméticos provêm da indústria química. E não poderia ser de outra forma, não só porque é imensamente mais barato para quem produz (e por isso também mais barato para quem compra); mas sobretudo porque só usando ingredientes provenientes da indústria química é possível ter um grau de pureza das matérias primas que garanta a segurança e eficácia do produto cosmético final.
É possível divulgar produtos “naturais” quando na verdade só contêm meia dúzia de extratos vegetais adicionados? Sim, sem nenhum problema. Porque não há qualquer legislação que defina o que é um produto “natural”; e também porque a esmagadora maioria dos consumidores não faz a mínima ideia de como distinguir produtos constituídos apenas por ingredientes naturais (a menos que os façam em casa) de produtos contendo mistura de ingredientes naturais e sintéticos
Os produtos “naturais” podem ser perigosos?
Sim, tanto em termos de perda de eficácia como em relação à ocorrência de efeitos adversos. E tal como expliquei no primeiro ponto isto poderá acontecer na mesma proporção dos produtos sintéticos. Mas no caso dos “naturais” podemos ter um risco adicional se a premissa “sem químicos” for levada demasiado a sério. Deixo-vos alguns exemplos:
Existem produtos sem conservantes no mercado que são absolutamente seguros, e devem a sua conservação a tecnologias de manufatura muito especiais. Contudo, nem sempre é assim. Exemplo disso é um caso ocorrido na Arábia Saudita, em que um shampoo para bebê com um sistema conservante deficiente, e contaminado, provocou 1 morte e 13 outras infeções.
Por outro lado, se pensarmos em alergias, é importante mais uma vez lembrar que o nosso corpo não é capaz de saber se determinado ingrediente é ou não natural. Mas para quem sofre frequentemente de sensibilidade a produtos cosméticos, o primeiro ingrediente com o qual se deve preocupar é o perfume. Ora, uma grande parte dos perfumes que existem nos nossos produtos cosméticos são de origem natural, e muitos desses produtos de origem natural contêm mesmo quantidades generosas de óleos essenciais, cujo potencial irritante é dos maiores que podemos encontrar no que toca a ingredientes cosméticos. Por isso, se usarmos óleos essenciais puros ou fracamente diluídos na pele, o risco de irritação ou alergia é muito superior ao da maioria dos produtos que não os contêm, incluindo os produtos de origem sintética.
É óbvio que nenhum destes exemplos deve ser uma generalização daquilo que podemos esperar de todos os produtos “naturais”. No entanto, a segurança dos consumidores deve estar acima de qualquer negócio.
Quando se fala de ciência raramente há respostas de sim e não. Há hipóteses, probabilidades, e riscos. Mas se alguma vez tiverem dúvidas acerca da segurança dos produtos que utilizam; talvez não seja boa ideia confiar em alguém que vos quer vender algo semelhante, certo? 😉
Desde criança sou apaixonada por cosméticos, a brincadeira se tornou algo sério, minha carreira profissional sempre foi dedicada para pesquisa e desenvolvimento de produtos cosméticos.
Todo ano aparecem novidades e novas aplicações e sempre busco descobrir algo novo para passar a informação de maneira descomplicada e de fácil compreensão.